Real by Casa da Calçada, o novo português clássico

Junho 19, 2023

Já abordei noutras crónicas o problema da gentrificação da restauração no centro do Porto. A questão não é só o surgimento de sítios supermodernos e a oferta de comida descaracterizada, mas também o fim de restaurantes com cozinha tradicional portuguesa e de conforto, que estime a nossa nacionalidade e exprima a nossa alma.

Creio que foi isso que o Real (by Casa da Calçada) descobriu e tentou suprimir. O segmento que começa a faltar no centro da cidade. Propõe aos seus clientes, também turistas, comida de raiz bem feita e apresentada, num local muito elegante desenhado pelo arquiteto Paulo Lobo. Um prazer tanto para os olhos como para o estômago. O menu consegue ainda presentear pormenores que agradem ao cliente português que aprecia o tradicional, mas adicionando pormenores menos óbvios e de alguma forma, surpreendentes.

Pão de massa mãe, azeite de Trás-os-Montes e manteiga das Marinhas são o cartão de entrada que confirma o que disse anteriormente, a portugalidade. Nas entradas chegou um carapau de escabeche, cujo vinagre se anunciou de imediato (afinal, é um escabeche). O carapau estava denso, com final prolongado. Vieram ainda croquetes de rabo de boi, intensos e cremosos por dentro e crocantes e secos por fora. Houve ainda espaço para o polvo em molho verde, tradicional, cortado em discos largos, mas finos, com todos os ingredientes e sabores da receita popular, que remete para o mar e para o campo, com as ervas e o azeite.

Nos pratos principais, a memória recaiu primeiro em Aveiro, com a proposta de uma feijoada de línguas de bacalhau. Nesta receita, o feijão mais corrente foi substituído pela feijoca, mais firme e saborosa e todo o prato beneficiou da consistência do colagénio das línguas para ligar tudo num sabor só.

Noutra visita, rendemo-nos ao Minho com o serviço de um rojão de proco bísaro, em cubos gigantes que se desfazem à lasca, cozinhados suavemente por todo. Ainda bem que são dois bocados grandes, porque é difícil contentarmo-nos só com um. Acompanham milhos, cremosos, com enchidos e um toque avinagrado no final, o que lhes confere um lado fresco a pedir outra garfada. Realço ainda um dos pratos do dia que foi arroz de coelho, dourado, a sair do forno, numa apresentação rara, mas portuguesa. O arroz de robalo foi mais contraditório, pois o peixe estava muito bom mas o arroz tinha passado do ponto. Esta cozedura extra também sacrificou o sabor a mar das algas presentes no prato. O peixe, divinal na cozedura, ajudou a equilibrar. Houve espaço ainda para uma vitela assada suave e homogénea, sem partes secas, com sabor muito prolongado na boca.

A pastelaria é uma viagem por Portugal e pelos momentos doces do nosso ano, como no Natal. A Casa da Calçada de Amarante tem uma pastelaria riquíssima e isso reflete-se nas ofertas doces do Real, do pudim abade de priscos do Minho à sericaia do Alentejo, mas com o twist de ser acompanhada com pera e calda de vinho do Porto.

A carta de vinhos é extensa e está adaptada a vários públicos, dos mais clássicos e conservadores aos mais trendy. O seu serviço é feito com muito cuidado e bons copos.

Sente-se na cozinha do Real o entusiamo de servir português, assim como e a preocupação de o mostrar ao estrangeiro que passar. De forma calma e elegante, que vai rareando, é um bom lugar para se comer Portugal.

Publicado em Global News

Por: Paulo Russel-Pinto

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